sexta-feira, 28 de outubro de 2011

No Fundo do Mar

De repente ela se viu entre corais coloridos, estrelas do mar, moluscos, foceis, peixes, golfinhos e todo um universo lindo e fascinante que até então ela desconhecia, tudo pulsante, tão próximo e vivo, mas ela não entendia como havia ido parar ali, como respirava sem auxilio de máscaras de oxigênio, lembrava-se vagamente que estava na praia com uma amiga, conversando e lendo uma revista feminina sem importância; a conversa com a amiga, a canga estendida na areia, a revista, tudo isso agora parecia um sonho, e o fundo do mar parecia a realidade, ou estava ela sonhando? Havia adormecido na areia e sonhava agora com o fundo do mar? Não tinha como saber...Tentou acordar, sacudiu o corpo e sentiu apenas a pressão da água ao redor, mesmo que fosse um sonho, não conseguia acordar, o melhor a fazer era se render e, nada mal aquela situação, afinal, sempre tivera vontade de mergulhar e nunca, ou por falta de coragem, oportunidade, havia mergulhado.  
Seus olhos encantados nunca haviam visto tanta exuberância de cores, texturas e formas. Como era belo e peculiar o fundo do mar, como nadavam os peixes, num deslizar calmo. Teriam eles alguma forma de comunicação? É muita presunção nossa, os humanos, achar que só nós nos comunicamos. Pensar que só através da fala há comunicação. Bem sabemos que as coisas mais lindas não são pronunciadas, são transmitidas através do olhar, de um gesto. Deve existir uma forma de comunicação ali naquele universo, claro que há, só não podemos decifrá-la, pois não pertencemos a ele.
Tudo continuava em harmonia, como que ignorando a presença dela. Lily, ficava observando tudo, mas não parecia ser observada, possuía proporções bem maiores que tudo e todos ali, ou quase tudo, ainda não havia aparecido nenhum tubarão, e como ela temia por isso, bom...Esse é um outro assunto, bem mais delicado. Mas mesmo sendo quase tudo menor que ela, ninguém a notava. Os peixes passavam pelo seu corpo, entre suas pernas, debaixo dos seus seios, debaixo dos braços, como se ela fosse um pedaço de rocha.
Começou a ouvir um som de uma música que não conseguia decifrar, um vocalize vindo de longe, era um som masculino, um som lindo, o mais lindo que já ouvira em toda sua vida, começou a entrar num estado e êxtase, o som combinado a beleza do lugar fizeram com que ela não tivesse nenhuma reação, somente se entregasse a um torpor. O som ia se aproximando cada vez mais e Lily ia desfalecendo, até que ele se aproximou e tocou em suas mãos, cessando a cantoria e perguntando: - Você está bem?
Ao que Lily respondeu num sussurro:
- Nunca estive tão bem. Quem é você?
Ele respondeu com um sorriso.
- Meu nome é Gaélio. Quero te apresentar esse lugar.
A essa altura ela já não questionava o que estava fazendo ali, quem era ele, porque não precisavam de oxigênio para respirar, simplesmente havia se entregado a situação. Pensava em seu íntimo, eu olhei pra ele e me apaixonei. Meu Deus, isso é possível? Me apaixonei pela voz, pelo canto...Gaélio, Gaélio...


Ele a pegou pela mão e saíram nadando como se fizessem parte daquele lugar, seus olhos brilhavam como diamantes ao sol, a felicidade radiava no mar, eram estrelas, já eram amantes. Nadaram por longo tempo de mãos dadas, sem nada falar, mas compreendiam tudo e, a beleza do fundo do mar era propicia ao amor, as suas cores os seus tons e semitons variados, o movimento dos peixes, o fundo do mar é como uma valsa, há música, sem som, música que vibra, pulsante pela própria natureza viva. Não há como deixar de se apaixonar pelo mar e sua majestade. E paixão que nasce no fundo do mar é eterna, é mágica. Ela não questionava quem era Gaélio, porque ele também estava ali, nada disso importava, só sabia que o amava e o desejava, e como gostava de ficar ao seu lado. Pararam finalmente, só se olhavam e, isso bastava, já causava grande prazer, como ela gostava de ver seus olhos azuis ou verdes¿ Azuis esverdeados, lindos, tão lindos, e sua boca rosada que ela ainda não tocara. Tudo em seu rosto lhe transmitia calma, era como se fosse um reencontro, como se fossem almas que já conviveram em algum tempo, em algum lugar.
Sua presença fazia com que ela se sentisse bonita, viva, atraente, até porque quando eles pararam e ficaram se olhando ele disse que ela era linda. Nada mais apropriado para levantar a estima do que um amante apaixonado e a paixão em si.
Gaélio foi apresentando tudo que havia de vegetação no fundo do mar, uma anêmona gigante e brilhante com seus delgados tentáculos, gorgôneas laranja e vermelho, delicadas medusas que em novembro nadam próximo à superfície. Tudo era muito fascinante, ainda mais apresentado por Gaélio, com sua voz sensual. Aquela mistura de cores e texturas, aquele universo tão mágico e aquela paixão súbita. Estar ali, de repente, sem saber nem como e nem porque, tudo isso a deixava atônita.
Pareciam duas crianças, envolvidas em ternura, um afeto rápido que surgira, como toda aquela situação, onírica, improvável,  impossível, mas que acontecia, e enquanto pudesse acontecer que deixasse acontecer. Lily sabia que aquela paixão não passaria, que ficaria para sempre em sua memória, registrada em seu corpo, poderia sentir sempre aquela sensação se puxasse pela memória a imagem do rosto de Gaélio.
Gaélio olhou-a nos olhos e seus olhares aproximaram-se e os lábios tocaram-se, naquele momento o mundo deixou de existir e, o mundo de Lily passou a ser aquele beijo, com tanto desejo e volúpia, um beijo que poderia não ter fim. Êxtase, beijar Gaélio era puro êxtase. Os dias ao lado dele, as horas, escorriam, passavam rapidamente, voavam, conversavam sobre muitos assuntos e nunca se esgotava, havia uma sintonia entre eles em todos os sentidos. Gaélio falava para Lily sobre os segredos do fundo do mar, mas Lily não questionava nunca porque ele estava ali e quem era ele, como se existisse um tácito acordo.
Mas voltando a Gaélio e Lily, eles viviam sua paixão como se nada mais fosse existir, não pensavam na sequencia dos dias, na vida prática, até porque não havia mais prática. Lily se não estava sonhando delirava, então tudo estava certo, para que se preocupar com o que fugia do tangível, melhor se entregar. Dançavam, dançavam, a música que só eles ouviam.
Gaélio pegou Lily no colo, carregou-a até uma pedra e ficaram tentando decifrar o seu formato:
- Eu acho que parece um elefante paleolítico. – Dissse Lily. –
- Existe isso? - Perguntou Gaélio.
- Claro que existe. Você acha que no paleolítico ainda existiam dinossauros (risos). Fugiu da aula de história.
- Não disse isso, mas eu sei que haviam bisontes, mas elefantes.
- Ah, vamos supor que sim.
- Ok, elefante paleolítico. Lá vamos nós deitar em você.
- Que conversa mais infame, ignorante, infantil (risos). Sabe? É assim que me sinto quando fico com você, uma criança, brincando por esse lugar desconhecido.
- Eu também. Acho que o amor tem esse poder de nos transformar em crianças. Tirar de nós o mais inocente.
- Amor, você disse amor?
- É, amor...
Um silêncio se fez. E ficaram alí por longo tempo, observando os peixes que passavam, se beijando, como se nada mais existisse...E realmente o que mais existisse não tinha a menor importância.
De repente, Lily sentiu algo pelo seu corpo, como se fossem pequenas formiguinhas passeando, falou para Gaélio.
- Estou sentindo um formigamento no meu corpo estranho, meus lábios estão amortecendo, uma sensação estranha.
- Calma, deve ser passageiro, calma.
Mas infelizmente não era passageiro, a sensação foi aumentando progressivamente, e foi se formando um redemoinho de água acima da cabeça de Lily, lentamente, ela já nãoconseguia falar, não conseguia ouvir, olhava para Gaélio que a segurava pelos braços, tentando reanimá-la, mas seu corpo estava mole, quase desmaiando, e de seus olhos vertiam lágrimas. Acima da sua cabeça o redemoinho aumentava e ganhava força. Gaélio abraçou Lily com muito carinho e desejo, havia um medo muito grande dentro do seu peito, um pressentimento forte. No redemoinho havia aberto um túnel enorme que levava, aparentemente  até o alto do mar. Ele olhava desesperadamente para o túnel e para o rosto lindo de Lily e a beijava com sofreguidão. Ele que nunca chorava, começou a chorar, ele que era ateu começou a rezar. Lily olhou-o pela última vez e desmaiou, uma força como de um aspirador, a puxou pelo túnel e nem toda força de Gaélio foi capaz de impedir.
O túnel se fechou, tudo ficou silencioso e Gaélio perplexo, levaram o amor de sua vida. Para onde¿ E cada pedra seria para ele um elefante paleolítico. E suas lembranças seriam eternamente de Lily.
E do outro lado do Oceano Lily acordou em sua canga colorida, com a amiga do lado, acariciando seus cabelos e dizendo:
- Amiga, como você dormiu, são seis horas, o sol já se pôs, eu não conseguia te acordar de jeito nenhum, já estava começando a ficar preocupada.
- Dormir? Não, eu não dormi.
E o amor de Lily e Gaélio paira no oceano, nos encontros amorosos a noite

nas praias. Vive nos olhos de todos os casais que contemplam a lua nos dias de verão nas praias do mundo. O amor de Lily e Gaélio persiste no universo, embora duvidem de sua existência, reverbera, ecoa nos quatro cantos...

Um comentário:

  1. Querida Rosa, lindo o conto, me lembrou uma musica do Renaissance , "Ocean Gypsy", publique outros contos. Parabéns !!!

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