quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Um chapéu, uma lembrança...


O show de Rock está intimamente ligado à adolescência; tem qualquer coisa de novo, um frenesi, uma batida violenta e decidida. É como se representasse a ânsia que o adolescente carrega. O som do rock rompe o silêncio como se rompesse o tempo, transforma com vigor jovem. Mas seria indevidamente só atribuído a adolescentes, explico para não enfurecer os roqueiros mais velhos: essa paixão é carregada pela vida, e o coração do verdadeiro roqueiro não envelhece nunca, sendo então a juventude do rock inesgotável. E é nessas condições que nossa personagem tomou posse do chapéu carregado pelo vento, no florescer da adolescência.
O estádio estava lotado, as pessoas acotovelavam-se para chegar o mais perto da barra que separava o palco. Flávia chegou bem cedo, acompanhada de Ana, sua amiga inseparável, pois a ordem de chegada determina o apreço e a vaga, se é que se pode chamar assim.
O sol estava escaldante, sendo aliviado por esguichos de água. A proximidade natural ao invés de aborrecer excitava ainda mais. A amiga Ana, vislumbrando as infinitas possibilidades que existia naquele estádio, teve a idéia de mudar de lugar, pois deveriam ficar próximas de pessoas interessantes, já que os suores iriam misturar-se, era melhor fazer uma seleção. Assim foi: foram perfurando a multidão até encontrar dois garotos bem bonitinhos. Neste caso a paquera era fácil, o contato corporal direto dispensava olhares tímidos, ou escancarados, era melhor não olhar, os odores envolviam e decidiam. Ana logo estava aos beijos com um dos garotos, Vitor, e permaneceriam assim grudados por todo o show. Desta maneira Flávia ficou só. O outro garoto não se interessou por ela, ao que ela retribuiu pensando também não ter ficado interessada por ele. Mentiu pra si mesma. Resolveu sair dali, consultou à amiga num dos pequenos intervalos de beijos que a separava do recente amor:

- Vamos sair daqui?
Ao que Ana respondeu.
- Não sei se o Vitor vai querer sair. Calma, tenho que ver.
- Vai logo
A chuva começou a cair, aliviando o calor. Choveu, parou, tornou a chover, parou. A roupa molhada colava no corpo.
O tempo passava e ela, coitada, não obtinha nenhuma resposta. Tornou a perguntar e ouviu o que temia: Vitor, não queria sair dali. O jeito foi contentar-se com a situação, já que não desejava sair sozinha.
O show começou e os gritos agudos das garotas, voavam no estádio lotado. O movimento ficou muito maior. As garotas desesperadas queriam chegar mais perto da banda. Ver de perto o objeto do desejo. E eles que lá estavam desde cedo, foram comprimidos na grade de proteção. Mas tudo fazia parte. As músicas diziam seu recado, ingênuo e crédulo na vida. E todos cantavam, como num grande coro. E o show foi terminando e, as vozes pediam umas e outras músicas. Acabou o show e saíram do palco lançando as baquetas, que passaram longe de onde eles estavam. Voltaram após um acalorado bis. Cantaram a última música. Um chapéu flutuou no ar vindo do palco. Caiu diretamente nas mãos de Flávia. Acabou o show. Desceu o guitarrista e ficou antes da barra de proteção. Chamou pela garota que estava com o chapéu na mão. Gritou:
- Você pode me devolver o chapéu, ele caiu sem querer?
Ao que ela respondeu, prontamente:
- Não, eu consegui pegar.
Ele replicou:
- Tudo bem, mas é que eu não joguei intencionalmente.
Ela parou e pensou um pouco e respondeu:
- Mas, calcula quanta sorte tive em pegá-lo.
- Entra aqui pra eu falar com você.
Ela pulou a grade com a ajuda dele. Quando chegou do outro lado, estando bem próxima dele, percebeu o quanto ele era alto e bonito: moreno de cabelos lisos e negros; a pele lisa, parecendo muito macia; a boca bonita e carnuda, os dentes brancos e perfeitos.
- Me devolva, por favor, eu comprei esse chapéu, num lugar que não sei se voltarei.
- Você irá voltar, eu tenho certeza, mas esse chapéu agora é meu.
Decepcionado ele disse:
- Tá, pode ficar com ele.
Ela pulou em sua direção e deu-lhe um beijo na face.

Quando voltou para o outro lado, a amiga disse:
- Aí Flávia, já ganhou.
Ela corou de vergonha.

Foram saindo do estádio. Lentamente, pois os primeiros a chegar, também eram os últimos a sair, já que o portão de saída ficava no fim do estádio. Flávia foi embora contente, levando o chapéu e uma lembrança.


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